O "Parecer" ao invés do "SER"
Num dia desses eu estava afim de
assistir algo mais levinho, para relaxar um pouco das coisas do mundo. E por
tal, escolhi assistir um reality show chamado “Casamento a cegas” na Netflix.
Eu já tinha assistido a versão americana, e tinha gostado, acho que na época eu
não tinha a visão crítica que eu tenho hoje (risos), pois a experiência não foi
a mesma para versão brasileira.
A própria descrição do reality já
é problemática, traz o casamento como algo na minha opinião, bem banalizado, e
uma visão deturpada do que é o amor também. Conversar com alguém por algumas
horas em uma semana não é o suficiente para determinar uma relação como amor,
se é que ainda é possível chamar isso de relação. Digo isso, porque no meu
entendimento genuíno, amor é algo que se constrói no cotidiano, ao longo que
você conhece alguém, e não se resume somente às qualidades e afinidades de uma
pessoa (que é o que eles conhecem no período das cabines), mas é quando você
imerge na pessoa em si, em sua totalidade. É o sentimento que compreende todas
as “partes” de alguém, e não as suas idealizações, mas ao que a pessoa é de
fato. Prova disso é quando os casais vão para a fase de convivência e eles têm
um choque de realidade do que eles idealizavam da outra pessoa, e o que ela é
em si, e por consequência, muitos casais são desfeitos.
Mas eu não vim aqui para falar do
programa (risos), eu vim aqui para falar de uma percepção que eu tive enquanto
o assistia. Não é segredo para ninguém o quão forte é o machismo e a misoginia
no nosso país, e o quanto essa opressão vem “mascarada”, “disfarçada” nas ações
de muitos. O que nós chamamos de machismo estrutural.
Que todos os participantes do
sexo masculino ali são machistas, não é novidade para ninguém. Mas o
estonteante, é o quanto eles atuam e falam coisas machistas mas ao mesmo tempo
não se julgam como tal. E ainda se sentem ofendidos quando acusados dessa
maneira.
A cena do vinho é bem marcante,
quando um dos integrantes se sente incomodado com a denúncia da companheira e o
quanto o seu “ego” é abalado naquela situação. Ao invés de entender o que
aconteceu de fato, e questionar propriamente a situação, ele prefere simplesmente
julgar a atitude da parceira, como se o que ela fez fosse algo desnecessário e
inconveniente.
E o show de misoginia continua em
todas as partes do reality. Mas o que me incomoda de fato, é o quanto as
pessoas estão interessadas em não parecerem machistas e homofóbicos, por
exemplo, do que de fato, não serem.
É muito mais fácil para alguns
assumirem posturas neutras ou evitar alguns posicionamentos para parecerem ou
se mostrarem desconstruídos, e a favor da causa das mulheres, mas quando
colocados a prova, é nítido que as ações são destoantes.
Muitos caras sabem que as
mulheres estão cada vez mais conscientes dos seus direitos a ponto de não
estarem dispostas a se relacionarem com aqueles que vão contra a esses
princípios. Então, para se relacionarem com essas mulheres, eles “assumem”
certas posturas a ponto de não parecerem machistas, e “demonstram” ser um
aliado ou apoiador à causa das mulheres.
Mas se questionado, se eles já leram alguma
teórica feminista, se eles denunciam atitudes machistas dos amigos, se eles são
favoráveis ás mudanças tradicionais da sociedade, ou o que eles fazem para
acabar com as desigualdades sociais causadas por essas questões de gênero, e
com os próprios estereótipos de gênero, eles não fazem nem ideia do que se
trata, quando logo ali, já discordam.
Ou então, quando eles emitem
falas e atitudes machistas e nós denunciamos, eles já se colocam na defensiva,
e dizem que “certas coisas já é exagero”, que já estamos forçando demais, até
porque essas coisas, são naturais ou normais. Sério?
No livro “O feminismo é para todo
mundo” da Bell Hooks, que aliás indico a leitura para todos, Hooks aponta que
muitos homens se “convertem” aos pensamentos feministas para evitar o risco de
acabar com seus laços íntimos com alguma mulher. Ou como eu disse
anteriormente, para se relacionar com elas. Mas se essa conversão não for algo
verídico, quando esses laços são desfeitos, o posicionamento se esvai junto.
Fica evidente o quanto mulheres
feministas ameaçam o suposto ego (frágil) masculinista. Meus caros, o movimento
feminista não é sobre a mulher ser melhor do que homem, e nem sobre dominação.
São críticas a uma estrutura misógina que nos oprime todos dias. O movimento
feminista, e portanto, as mulheres feministas, buscam através desse movimento
que é antes de tudo político, acabar com essa opressão. O feminismo é um
movimento para acabar com sexismo, exploração sexista e opressão.
Assim como o racismo não foi
inventado pelos negros, e sim pelos brancos e se faz necessário que os mesmos
sejam responsáveis pelo seu fim. Também na misoginia, não basta querer não ser
visto como “machista" a questão é o que vocês fazem para não SEREM.
Os homens são importantes aliados
ao movimento, mas muitos sentem que a sua vida será prejudicada se os privilégios
obtidos através dessa estrutura patriarcal forem retirados. Na realidade, todo movimento que busca acabar
com as injustiças e opressões sociais irão beneficiar a todos.
Citando mais uma vez a
maravilhosa Bell Hooks, precisamos que vocês estejam dispostos a criticar e
desafiar essa dominação masculina sobre o planeta e sobre as mulheres. É
questionar as estruturas sociais, e buscar entender o por quê as coisas estão
assim. E através desse questionamento, buscar e ter atitudes que revertam essa
situação. Isso é, viver uma vida com autonomia.
É reconhecer que o feminismo é um
movimento importante para a justiça social, e o quanto é válido o esforço para
abandonar pensamentos e atitudes sexistas e machistas. Em outras palavras, mais
uma vez, é importante o “ser” ao invés do “parecer”, que vocês estejam
genuinamente e verdadeiramente empenhados a isso. Estamos atentas.
Incrível! Ótima reflexão. A preocupação em não parecer algo é muito maior do que seus esforços para de fato não ser. Estamos de olho!
ResponderExcluirSim, complicado isso... Mas, estamos ATENTAS
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